A Fisioterapia na Saúde da Mulher é uma especialidade que cuida do ciclo feminino, ou seja, vai da infância à terceira idade, passando pela gestação e pós-parto. São tantas mudanças no corpo e na mente da mulher, que é necessária uma atenção especial. Para falar sobre essas especificidades e a atuação dos fisioterapeutas nessa área convidamos a diretoria da Associação Brasileira de Fisioterapia na Saúde da Mulher (ABRAFISM). Confira a entrevista da Dra. Lilian Rose de Souza Mascarenhas, presidente da ABRAFISM, da Dra. Cristine Homsi Jorge Ferreira, Diretora de Defesa Profissional, e da Dra. Néville Ferreira Fachini de Oliveira, Diretora Cultural.
1 – O que é a Fisioterapia em Saúde da Mulher?
A Fisioterapia em Saúde da Mulher (FISM) é uma especialidade profissional da Fisioterapia, reconhecida pela resolução do COFFITO nº. 372/2009, que tem como finalidade a ampla atuação fisioterapêutica ao longo do ciclo vital feminino: na infância, na gravidez, no trabalho de parto, no pós-parto, no puerpério, no climatério e na terceira idade. Esta especialidade representa um refinamento da prática do fisioterapeuta voltada às especificidades das mulheres que vão muito além das questões meramente reprodutivas, incorporando-se um olhar voltado à integralidade e consideração aos aspectos socioculturais. O especialista é o profissional que possui habilidades e competências específicas baseadas em evidências para atender as necessidades femininas nos diversos níveis de atenção à saúde, com um olhar amplo sobre os fatos determinantes que influenciam sua saúde e, consequentemente, os resultados fisioterapêuticos.
A especialidade de Fisioterapia em Saúde da Mulher nasceu de um clamor genuíno dos profissionais que trabalhavam nesta importante área da Fisioterapia, representados por sua Associação, a ABRAFISM (Associação Brasileira de Fisioterapia na Saúde da Mulher) que, desde o início de sua criação, teve como objetivo estatutário o reconhecimento da especialidade junto ao COFFITO. Em 2009, durante reunião convocada pelo COFFITO em São Paulo, reuniram-se as associações de especialidades conveniadas, incluindo a ABRAFISM, e vários profissionais em suas respectivas áreas de expertise. Nesta ocasião a ABRAFISM solicitou ao COFFITO o reconhecimento da especialidade, o que se deu através da Resolução COFFITO nº 372/2009, datada de 06 de novembro de 2009. Então, assim como o dia 13 de outubro é reconhecido como o dia do Fisioterapeuta e do Terapeuta Ocupacional devido o DL 938/69, aprovado em 13 de outubro, o dia do Fisioterapeuta na Saúde da Mulher no Brasil, passou a ser o dia 06 de novembro.
2- Como começou a atuação do fisioterapeuta nessa área?
Apesar dos registros históricos da área serem escassos e da especialidade incluir diversas subáreas, parece que a atuação do fisioterapeuta iniciou na Inglaterra como membro das equipes de obstetrícia no início do século XX. Os primeiros estudos científicos que se conhecem aconteceram na década de 40, principalmente os estudos relacionados ao assoalho pélvico feminino, aos exercícios na gestação e preparação para o parto. Já os estudos de Fisioterapia relacionados à oncologia mamária, iniciaram um pouco mais tarde, entre as décadas de 60 e 80.
Tratando-se da Fisioterapia na Saúde da Mulher, a organização de profissionais com interesse na área anteriormente conhecida como ginecologia e obstetrícia, em âmbito internacional, é historicamente anterior ao estabelecimento da WCPT (Confederação Mundial de Fisioterapia). Entretanto, somente em 1999 houve o reconhecimento, pela WCPT, da IOPTWH (Organização Internacional de Fisioterapeutas em Saúde da Mulher). No Brasil, diversas pioneiras que trabalhavam com a Fisioterapia especificamente voltada à ginecologia e obstetrícia passaram a refletir acerca da importância de um olhar mais integral relacionado à saúde da mulher para a prática do fisioterapeuta. No ano de 2006, durante o congresso brasileiro de Fisioterapia em São Paulo, foi criada a ABRAFISM. Tendo se regularizado, logo a associação se tornou membro da IOPTWH e, portanto, vinculada ao WCPT.
3 – Quais áreas abrangem a atuação?
Segundo a resolução do COFITTO que regulamenta esta especialidade, a FISM abrange cinco áreas de atuação, entre outras: Assistência Fisioterapêutica em Uroginecologia e Coloproctologia; Assistência Fisioterapêutica em Ginecologia; Assistência Fisioterapêutica em Obstetrícia; Assistência Fisioterapêutica nas Disfunções Sexuais Femininas; e Assistência Fisioterapêutica em Mastologia.
Portanto, a FISM pode, por exemplo, prevenir e melhorar a qualidade de vida de uma grávida que sofre de desconfortos altamente prevalentes nesta fase, mas, pode também auxilia-la a ter uma experiência mais gratificante e com menos dor no trabalho de parto por meio de avaliação e uso de recursos fisioterapêuticos próprios. Pode ainda atuar na reabilitação no pós-parto, no tratamento da constipação intestinal e de disfunções sexuais, dentre muitos outros problemas. A atuação na reabilitação de mulheres que sofreram cirurgia para câncer ginecológico, especialmente câncer de mama, deve ser destacada, uma vez que existem bons níveis de evidência na prevenção de complicações cirúrgicas, na reabilitação e melhora da qualidade de vida.
4 – Qual é o seu papel durante a gravidez?
O fisioterapeuta especialista em Saúde da Mulher durante a gravidez tem um papel fundamental em todo o ciclo gravídico-puerperal. A gravidez é um período da vida da mulher em que ocorrem modificações importantes no seu organismo e que frequentemente desencadeiam sintomas relacionados aos sistemas músculo-esquelético, vascular, cardíaco, respiratório, urinário, dentre outros. Tais sintomas afetam a qualidade de vida da grávida e o fisioterapeuta especialista em Saúde da Mulher tem um papel importantíssimo na prevenção, no tratamento para o alívio das lombalgias e dorsalgias, síndromes de compressão nervosa, edema, dispneia, incontinência urinária, a partir de uma avaliação minuciosa e da utilização de recursos fisioterapêuticos próprios.
O trabalho educativo por meio de orientações e treinamentos também é de extrema importância, visto que o fisioterapeuta trabalha a educação em saúde, que no caso de gestantes, gera resultados diretos muito positivos: promove maior conhecimento de todo processo gravídico-puerperal (reduzindo a ansiedade, visitas desnecessárias ao pronto-atendimento, os alarmes falsos de trabalho de parto, entre outros) e melhora os desfechos de parto (experiência com o parto, uso de analgesia, tempo de trabalho de parto e até mesmo, saúde do recém-nascido).
Além disso, também pode auxiliar e assistir a gestante para que a mesma tenha uma experiência mais gratificante de parto, com menos dor e menor tempo de trabalho de parto, novamente por meio de avaliação e uso de recursos fisioterapêuticos próprios. A atuação do especialista também tem sido influenciada pelo incentivo mundial à humanização à assistência obstétrica e à utilização de recursos não farmacológicos (tanto para o alívio de dor quanto para melhora da progressão do trabalho de parto), já que tais recursos são, em sua maioria, de domínio do fisioterapeuta, o que amplia o campo de atuação do especialista nas maternidades.
5 – E no pós-parto?
A atuação do fisioterapeuta especialista no pós-parto é tão ou mais importante do que a atuação durante a gravidez/parto. Após o trabalho de parto, a mulher experimenta o puerpério, período que se define pelas mudanças que ocorrerão novamente no corpo feminino, para que o mesmo retorne a sua estrutura e função anterior à gestação. O puerpério (pós-parto) divide-se em imediato (considera-se os primeiros 10 dias), tardio (do 11º ao 45º dia) e remoto (que se estende até que todas as estruturas e funções sejam restabelecidas integralmente). Desta maneira, o fisioterapeuta pode e deve atuar em todas as fases, cada uma com objetivos e condutas diferentes, que serão estabelecidas a partir da avaliação.
De modo geral, no pós-parto imediato o fisioterapeuta prioriza cuidados iniciais essenciais, como: tratar/prevenir desconfortos (cicatriciais, osteomusculares etc.), prevenir a trombose venosa profunda, facilitar/melhorar as funções respiratória, cardíaca, gastro-intestinal, locomotora, postural, urinária, entre outras, e soma esforços junto à equipe de saúde para favorecer o vínculo entre mãe-bebê (amamentação, cuidados e manuseio). Já durante o puerpério tardio e remoto, podemos intensificar o trabalho objetivando auxiliar o organismo da mulher a retornar a condição pré-gestacional e otimizar ao máximo sua funcionalidade, tratando os desconfortos e disfunções que possam ter persistido ou surgido, decorrentes do parto ou mesmo da gestação. É essencial o estimulo à prática de exercícios físicos, melhora da função muscular, postural, urinária e dos diversos outros sistemas, sem deixar de lado o auxílio às demandas da amamentação.
Novamente, é importante ressaltar que trata-se de uma atuação ampla e, ao mesmo tempo, muita específica, que demanda uma série habilidades e competências do fisioterapeuta que se especializa nesta área.
6 – Quais são os principais desafios? Ainda é considerada uma área pouco conhecida?
Apesar dos altos níveis de evidência científica que respaldam a atuação da Fisioterapia em Saúde da Mulher e da alta prevalência dos problemas que a Fisioterapia pode prevenir e tratar, enfrentam-se as dificuldades inerentes à falta de recursos, assim como número insuficiente de fisioterapeutas contratados, especialmente especialistas. Portanto, os altos níveis de evidência científica alcançados na área não têm sido acompanhados de um acesso equitativo da população feminina a tais benefícios, especialmente na Atenção Básica à Saúde. A procura pela assistência fisioterapêutica na área está diretamente ligada ao registro da demanda do território sob a responsabilidade da equipe na qual o fisioterapeuta faz parte e, também, a divulgação do potencial do fisioterapeuta generalista e especialista para atuar na Atenção Básica oferecendo alta resolubilidade em diversos problemas que afetam a saúde da mulher. A criação de vagas ainda depende de gestores que respeitem os indicadores epidemiológicos para a definição da composição das equipes, onde o fisioterapeuta deve ser inserido. É papel e compromisso da ABRAFISM a busca constante pela interlocução com gestores de todas as esferas, municipal, estadual e federal.
Apesar desses desafios relacionados à falta de recursos, o mercado de trabalho para o especialista em FISM permanece aquecido, diante das novas tecnologias e reconhecimento científicos da efetividade da Fisioterapia e dos recursos fisioterapêuticos em diversos campos que englobam nossa atuação. O reconhecimento de diversas associações internacionais multiprofissionais (ICS, IUGA, entre outras), de recursos fisioterapêuticos como primeira opção de tratamento da incontinência urinária feminina e de outras disfunções do assoalho pélvico feminino vêm contribuído, de modo crescente, para o aquecimento do mercado de trabalho. A atuação do fisioterapeuta especialista também tem sido influenciada pelo incentivo mundial a humanização à assistência obstétrica e à utilização de recursos não farmacológicos para o alívio de dor e melhora da progressão do trabalho de parto, que são, na realidade, recursos fisioterapêuticos que ampliam o campo de atuação do especialista nas maternidades. Além dos níveis crescentes de evidências científicas demonstrando o importante papel do especialista no tratamento das disfunções sexuais femininas e na reabilitação pós-cirurgia por cânceres de mama e ginecológicos.
A FISM ainda é uma área pouco conhecida pela população e pelos gestores de saúde. Desta maneira, a Associação Brasileira de Fisioterapia na Saúde da Mulher (ABRAFISM) tem um papel fundamental de difundir a importância da abordagem fisioterapêutica para atender as demandas da saúde da mulher. A meta mais importante da gestão recém-eleita (iniciou em janeiro de 2018) é a inserção do especialista nas políticas públicas de saúde, assim como a divulgação da importância da FISM, de modo a oferecer à população feminina a oportunidade de conhecer e usufruir os benefícios que a Fisioterapia poderá proporcionar à sua saúde.
7 – O que um fisioterapeuta precisa fazer para atuar nessa área?
Normalmente o interesse em atuar em Fisioterapia na Saúde da Mulher é despertado na época da graduação, daí a grande importância dos docentes da Fisioterapia, uma vez que o graduando terá acesso a FISM por meio da disciplina ou da vivência no estágio, além da participação em atividades que possam envolver a área, como monitorias, projetos de extensão e de pesquisa. Afinal, qual profissional nunca atendeu uma mulher? Gostar da área é o primeiro passo, sendo essencial compreender sua importância para melhorar a saúde das mulheres e refinar suas habilidades e competências específicas se desejar ser um especialista. Cursos de extensão e especialização lato sensu e/ou stricto sensu, congressos (especialmente os que são organizados ou tem apoio da ABRAFISM), entre outros, devem proporcionar a aquisição de conhecimentos baseados em evidências científicas e proporcionar trocas de saberes que melhorem a qualidade do atendimento ao público feminino. Portanto, atualizar-se constantemente vai muito além de adquirir conteúdo. Outra questão é que, embora o associativismo não seja obrigatório, associar-se é uma forma de fortalecimento profissional, pois as associações, em especial a ABRAFISM, congregam profissionais em torno do tema Fisioterapia voltada a Saúde da Mulher e esse comportamento fortalece todos os seus pares, já que encontrar pessoas que comunguem de ideais similares pode ser um ponto de apoio importante no crescimento profissional. Portanto, o profissional que deseja atuar em Saúde da Mulher deve envolver-se de todas as formas possíveis com a profissão e com a especialidade.
Conheça um pouco mais sobre nossas entrevistadas!
Dra Lilian Rose Mascarenhas. Fisioterapeuta
– Docente da Universidade do Estado do Pará (UEPA);
– Pós graduada em Educação e Problemas Regionais pela Universidade Federal do Pará e Programa de Saúde da Família pela UEPA;
– Mestre em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal do Pará;
– Especialista em Fisioterapia na Saúde da Mulher pela ABRAFISM/COFFITO;
– Conselheira efetiva do CREFITO -12. Atualmente Coordenadora do Departamento de Fiscalização do CREFITO -12;
– Membro da Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher – ABRAFISM (presidente eleita gestão 2018/2021).
Dra. Cristine Homsi Jorge Ferreira
– Professora Associada do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP);
– Pós- Doutorado no Mercy Hospital for Women em Melbourne na Austrália;
– Delegada chefe representante do Brasil na International Organization of Physiotherapists in women’s health ( WCPT);
– Membro da Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher – ABRAFISM (diretora científica eleita gestão 2018/2021);
– Editora Associada do Brazilian Journal of Physical Therapy.
Dra. Néville Ferreira Fachini de Oliveira
– Docente do Curso de fisioterapia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
– Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas Universidade de Campinas – Unicamp (2011);
– Mestre em Tocoginecologia pela Unicamp (2008);
– Especialização em Fisioterapia Aplicada à Saúde da Mulher pela Unicamp (2005);
– Graduação em Fisioterapia pela Universidade Vila Velha (2004);
– Membro da Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher – ABRAFISM (diretora Cultural eleita gestão 2018/2021);
– Membro da Diretoria Regional do Espírito Santo da Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia (ABENFISIO).