Coordenador do curso de Terapia Ocupacional da Ufes fala sobre o curso e os desafios da profissão

O coordenador do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Dr. Gustavo Artur Monzeli, concedeu uma entrevista ao site do CREFITO 15. Na conversa, o professor faz um relato sobre situação da profissão no Estado,
conta os desafios dos terapeutas ocupacionais e fala sobre a parceria com o CREFITO 15.

Quais as áreas de atuação da Terapia Ocupacional?
A Terapia Ocupacional é uma profissão que atua nas áreas de saúde, educação, na área social e cultura, fazendo interface entre as proposições dessas áreas, com o objetivo de discutir a autonomia, a independência e a participação social das pessoas com diferentes questões e problemáticas.
O nosso objetivo principal é compreender a demanda que os indivíduos e grupos sociais trazem e criar estratégias de ação/intervenção para produzir, em conjunto com as pessoas, formas de superação de suas dificuldades.
Lidamos com questões de saúde mental, saúde física, processos de desenvolvimento típico e atípico, questões sociais, culturais e educacionais.
Por exemplo, em um caso de reabilitação física com uma pessoa que sofreu lesão medular ou acidente vascular encefálico, vamos compreender quais as novas dificuldades no cotidiano que esta situação específica produz na vida desta pessoa, compreender as atividades significativas que ela realizava e tentar produzir, em conjunto, formas de realizar estas atividades e outras que ela nem pensava em realizar. Por isso é importante compreender os significados culturais que estes sujeitos ou coletivos dão para as atividades que eles realizam, por exemplo o trabalho, o lazer, o cuidado da casa, o autocuidado, etc.

Você falou sobre diferentes áreas, como social, cultural, entre outras. Como seriam essas atuações nesses diferentes campos?
No caso da perspectiva social, a gente vai lidar com pessoas e coletivos que passam por processos de estigma social e situações históricas de preconceito e violências, por exemplo, com as questões dos adolescentes em conflito com a lei, as populações carcerárias, mulheres que sofrem violência doméstica, questões de álcool e drogas, etc.
Trabalhamos com a inserção do terapeuta ocupacional na Política Nacional de Assistência Social, com os Centros de Referência da Assistência Social e Centros de Referência Especializados da Assistência Social, em vários níveis de ação nesse contexto. Analisamos também qual a demanda da comunidade e do território, compreendendo e produzindo estratégias de enfrentamento a situações de violência, sejam contra mulheres, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, diferentes situações de discriminação contra a população LGBTI, pessoas com deficiências ou outras populações marginalizada no contexto social. Ainda nas questões culturais lidamos com povos e comunidades tradicionais, como as populações indígenas e quilombolas, compreendendo as diferentes situações históricas de violação de direitos.

Como é a estrutura do curso de Terapia Ocupacional na Ufes?
A Terapia Ocupacional não é uma profissão recente. No Brasil, o primeiro curso surge na década de 1950, e a regulamentação da profissão aconteceu em 1969. Contudo, no Espírito Santo a profissão é mais recente e ainda em processo de consolidação.
O curso na Ufes foi criado em 2009 pelo programa Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), junto com outros três cursos do Centro de Ciências da Saúde da Ufes (Fisioterapia, Fonoaudiologia e Nutrição). E antes do curso da Ufes existia apenas uma faculdade privada que ofertava o curso de terapia ocupacional, a Faesa (Faculdades
Integradas Espiritosantense).
Como é um curso recente aqui no Espírito Santo, temos algumas questões importantes a lidar, como o desconhecimento da profissão por parte da população em geral e de outros profissionais.
Em relação aos campos de trabalho e atuação profissional, a terapia ocupacional tem atuado, no estado do Espírito Santo, em grandes centros de reabilitação, como o Crefes (Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo), em diversos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), nos CREAS (Centros de Referência Especializados da Assistência Social), nos Centros de Convivência da Terceira Idade, em hospitais gerais, além do sistema prisional e nas medidas sócioeducativas para adolescentes em conflito com a lei.
Desta forma os terapeutas ocupacionais podem atuar em diferentes políticas públicas e sociais, além da atuação em clínicas particulares e do trabalho de home care . A área da educação ainda é pouco desenvolvida aqui no Espírito Santo, em que podemos pensar diversas ações para os terapeutas ocupacionais. A Universidade tem colocado a tarefa de estruturar campos de atuação, principalmente com projetos de extensão, sendo possível produzir experiências com estudantes, professores e técnicos da Universidade.

Há parcerias do curso de Terapia Ocupacional da Ufes com órgãos públicos para oferecer o serviço à comunidade?
O curso de Terapia Ocupacional da Ufes tem diversos projetos de extensão que fazem essa tarefa de articulação com os serviços públicos e com a tarefa da produção de práticas para a comunidade em geral. Todos os projetos desenvolvidos pelo curso de terapia ocupacional podem ser acessados pelo site www.terapiaocupacional.ufes.br .
Dentre alguns dos projetos podemos destacar o “TATO – Comunidade”, que trabalha com recursos de tecnologia assistiva para pacientes e usuários com distintas demandas de reabilitação.
Temos também o projeto “Terapia Ocupacional e os jovens Guarani do Espírito Santo”, que é realizado com aldeias Guarani na cidade de Aracruz, que tem como objetivo produzir espaços de discussão para promover a reflexão intercultural e intergeracional com esta população.
Proporcionamos outros projetos de extensão no Hospital Universitário, que vão fazer a intervenção pré e pósnatal
dentro da maternidade, bem como o follow up com crianças com desenvolvimento típico e atípico, além de crianças com microcefalia, paralisia cerebral, prematuros que precisam de auxilio técnico logo após o nascimento, entre outras questões
específicas, bem como o projeto de “Brinquedoteca Móvel do Hucam”.
Além disso, ainda contamos com outros projetos de extensão que tem articulação com a Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos de Vitória, na qual os estudantes atuam em diversas áreas dentro da temática dos direitos humanos.
Temos tentando, a partir do curso de terapia ocupacional, inserir e levar projetos de extensão e pesquisa para a comunidade,entendendo que esses são desafios que a Universidade deve se colocar.

Você citou a microcefalia. Hoje esta doença vem sendo muito debatida por conta da associação ao zika vírus. Como é a atuação do terapeuta ocupacional junto a crianças com microcefalia?
Tradicionalmente o terapeuta ocupacional tem produzido estratégias de cuidado com crianças que tem diversas problemáticas no desenvolvimento, como a própria microcefalia,
além da paralisia cerebral e outras patologias. Historicamente sempre tivemos questões de saúde no contexto brasileiro e tentamos lidar com estas questões a partir do aprimoramento técnico. Contudo, especificamente sobre o Zika, ainda não temos grandes respostas técnicas para essa doença. Sobre os danos em decorrência da infecção, conseguimos propor algumas ações e estratégias de intervenção para lidar coma microcefalia, por exemplo. A Terapia Ocupacional deve avaliar e  acompanhar o desenvolvimento da criança com microcefalia em seus diferentes domínios, como cognitivo e motor. A partir desse acompanhamento, atuamos na estimulação precoce como uma intervenção preventiva na relação criança, atividade e contexto. Usando de recursos lúdicos, orientação familiar ou mesmo tecnologias assistivas podemos ajudar a criança com microcefalia a desenvolver suas habilidades para AVDs, brincar, inclusão escolar e participação social. Contudo ainda são necessárias muitas pesquisas para que possamos compreender melhor qual a relação do Zika com outras patologias.

E como é a relação da Terapia Ocupacional com o CREFITO?
A gente tem uma relação construída historicamente a partir do CREFITO 2. Temos terapeutas ocupacionais que se inseriram no Conselho, a partir de diversos papéis de articulação com o que era a subdivisão aqui no Espírito Santo. Realizamos um trabalho
importante que foi a implantação da Jornada Científica de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do CREFITOES, no período de 1998 a 2002.
Tivemos também uma articulação interessante com a Câmara Técnica em Contextos Sociais, que foi a produção de uma Cartilha sobre as Contribuições da Terapia Ocupacional no Sistema Único de Assistência Social. Esta cartilha foi distribuída nacionalmente. Além disso, outros eventos foram realizados como os Seminários de Políticas Sociais, além do I
Encontro de Terapia Ocupacional e Diversidade Cultural.
Houve também uma articulação do curso de terapia ocupacional da Ufes com todos os cursos de fisioterapia do estado, na organização do evento de comemoração ao dia dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. O evento foi realizado pelo CREFITO 15 com apoio das Instituições de Ensino Superior de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Além disso, existem  representantes do curso de Terapia Ocupacional da Ufes no CREFITO Acadêmico, e eu atuo como representante do curso nas reuniões da Comissão de Educação junto ao CREFITO 15.

Por falar em evento, há algum evento previsto dentro da Terapia Ocupacional nos próximos meses?
Sim. Teremos na Ufes o Encontro Nacional de Docentes e o Seminário Nacional de Pesquisa em Terapia Ocupacional, organizados pelo curso de Terapia Ocupacional da Ufes e pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional (Reneto). Este é um evento nacional de discussão sobre a docência e pesquisa em Terapia Ocupacional que acontece a cada dois anos em uma cidade do Brasil. Este ano estamos muito orgulhos de receber este evento aqui em Vitória. É um encontro importante, pois concentra grande parte dos docentes e pesquisadores de Terapia Ocupacional no Brasil. Os eventos serão de 6 a 10 de novembro de 2016, em comemoração aos 30 anos de encontro de docentes de Terapia Ocupacional. O CREFITO 15 está apoiando esses eventos, o que para nós é bastante importante pois será um encontro que reunirá professores, pesquisadores, profissionais, e estudantes de graduação e pós-graduação.

Quais são as expectativas para a Terapia Ocupacional no Espírito Santo?
IMG_0091Temos um longo caminho a percorrer. No contexto brasileiro temos diferentes histórias. Em São Paulo e no Rio de Janeiro o curso existe nas universidades desde a década de 50. Se você pensar o que é a estruturação de um curso e uma profissão que está presente há mais de 50 anos e que existia mesmo antes da regulamentação da profissão, em 1969, este histórico é bastante importante. Nesses locais a produção de campos de trabalho e áreas de atuação está há muito tempo sendo criada e reconfigurada. Em outros estados brasileiros a história é mais recente, como aqui no Espírito Santo, na Paraíba, Sergipe,
dentre outros, e há lugares onde o curso ainda não existe em universidades públicas, como no Acre, Mato Grosso do Sul, dentre outros. Isso dá uma configuração bastante diferente para a profissão no contexto brasileiro. Aqui no Espírito Santo existem muitos e bons terapeutas ocupacionais formados anteriormente ao curso da Ufes. Contudo, o curso na faculdade privada acabou fechando e posteriormente houve uma articulação para a implantação do curso na Ufes. Não ter outros cursos além do curso na Ufes, que é o único do estado, limita e dá um recorte bastante específico para a profissão no Espírito Santo.
Temos um caminho longo a percorrer. Temos poucos professores concursados e isso certamente é uma grande dificuldade pra conseguirmos ampliar as áreas de atuação aqui no estado. São 12 professores concursados, 1 professor temporário e 3 técnicos de terapia ocupacional para as atividades práticas do curso.
Hoje tempos poucos terapeutas ocupacionais inseridos em políticas públicas e sociais efetivamente contratados e concursados no serviço público, o que é outra dificuldade que encontramos para a própria ampliação das áreas de atuação. No entanto, o mercado profissional tem ampliado para a terapia ocupacional nos últimos anos, com inserção dos profissionais nos serviços da Assistência Social, nos diversos serviços de saúde do Estado, na atenção ao idoso, na área hospitalar, na atenção à saúde do trabalhador. Bem como os tradicionais serviços de atenção às pessoas com deficiência e transtornos mentais. Além disso, gostaria de ressaltar que, desde 2015, o curso de Terapia Ocupacional conta com um currículo novo, com uma nova aposta. Com essa reestruturação em 2015, nossa aposta é uma mudança de paradigma da formação. Compreendemos que as áreas
especializadas são de grande importância, mas a atenção primária e básica como o foco norteador das práticas é extremamente importante para a nossa formação. O novo currículo coloca que grande parte das problemáticas sociais e de saúde podem e devem ser resolvidas nas atenção primária e na proteção básica, ou seja, é compreender que esse tipo de atenção deve ser prioritário tanto para as políticas públicas quanto para a atenção técnica. Propomos que a atuação dos terapeutas ocupacionais deve ser feita de forma transversal e interdisciplinar.
Como exemplo temos a proposta de Saúde da Família, que vem nessa mesma perspectiva, compreendendo que grande parte dos casos que demandam alta tecnologia e alto custo para o Governo poderiam ser resolvidos com um atendimento primário, anterior. Assim, ao invés de apostar somente em perspectivas especializadas, que continuam sendo de extrema importância para os terapeutas ocupacionais e outros profissionais, o currículo vem com a proposta de lidar com a questão anterior, de sensibilização, de cuidado, compreendendo que a produção de tecnologias em diferentes níveis é de extrema necessidade para uma atuação mais humana e com responsabilidades técnicas e éticas.

Drº Gustavo Artur Monzeli, 28 anos, coordenador do curso de Terapia Ocupacional da UFES há um ano e professor de Terapia Ocupacional. É de São Carlos, São Paulo, e mora no Espírito Santo há 3 anos.

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