O CREFITO 15 conversou com a fisioterapeuta, Dra. Samira Tatiyama Miyamoto, sobre a Fibromialgia, uma doença que atinge muitas pessoas em todo o mundo – a cantora Lady Gaga é uma de suas vítimas, por exemplo. O diagnóstico é difícil de detectar, mas quem tem a enfermidade sofre com a recorrência de tantas dores. Dra. Samira coloca a Fisioterapia como uma grande aliada no tratamento da Fibromialgia. Leia na íntegra a entrevista e entenda o porquê.
1) Dra. Samira, a expressão “Fibromialgia” foi muito falada quando a cantora Lady Gaga cancelou sua participação no Rock in Rio alegando que está com a doença. O paciente realmente sente muitas dores? No caso dela, realmente não havia solução a não ser o repouso no momento?
Sim, o paciente pode sentir muitas dores. No entanto, a intensidade e a frequência das “crises” podem ser diferentes entre as pessoas portadoras da síndrome. No caso da Lady Gaga parece que os episódios de dor são bastante fortes, a impossibilitando de realizar qualquer atividade, necessitando realmente de repouso, conforme ela mesma relata em seu documentário da Netflix, Five Foot Two.
2) Quais são os sintomas da Fibromialgia?
Geralmente os principais sintomas são dor musculoesquelética difusa, fadiga, distúrbios do sono (como sono não reparador) e distúrbios do humor (como depressão e ansiedade). Mas também podem ocorrer diversos outros sintomas como rigidez matinal, parestesias de extremidades, sensação subjetiva de edema e distúrbios cognitivos (dificuldade de concentração e de memória, por exemplo), cefaléia, dor abdominal e pélvica, tontura, urgência urinária e alterações intestinais.
3) Quais as causas?
As causas ainda não são totalmente conhecidas, impossibilitando a cura desta síndrome. Sabe-se que há um distúrbio no processamento da dor a nível central e periférico, tais como atividade reduzida de neurotransmissores envolvidos na inibição da dor (serotonina, dopamina e noradrenalina) e aumento na concentração de neurotransmissores facilitadores da transmissão dolorosa (glutamato e substância P), fazendo com que o paciente apresente a chamada amplificação dolorosa, que se constitui de uma diminuição no limiar de dor, aumento da sensibilidade dolorosa, hiperalgesia (dor intensa) e até alodínia (dor por outros estímulos sensoriais). Estudos mostram que há um aumento da ativação de áreas cerebrais de processamento da dor, mesmo após estímulos não nociceptivos, como calor, frio, auditivo e elétrico. Estudos mais recentes também mostram que há alterações morfológicas e funcionais no cérebro, bem como uma possível causa genética.
Parentes de primeiro grau de pacientes com fibromialgia apresentam um risco oito vezes maior de desenvolvê-la e familiares de pacientes com fibromialgia têm maior risco de desenvolver qualquer quadro doloroso crônico e apresentam sensibilidade dolorosa maior que familiares de pessoas sem a síndrome.
O início da doença está frequentemente associado a eventos graves na vida de uma pessoa, como um trauma físico, psicológico ou mesmo uma infecção grave.
4) Como é possível detectar a Fibromialgia? Que exames podem ser feitos para ter certeza do diagnóstico?
O diagnóstico da fibromialgia é exclusivamente clínico e eventuais exames subsidiários podem ser solicitados apenas para diagnóstico diferencial, ou seja, para descartar outras doenças que podem apresentar sintomas parecidos, bem como para diagnosticar doenças que possam estar coexistindo. Assim, é muito importante que um médico experiente seja consultado, como o reumatologista.
5) Pode-se dizer que a Fisioterapia é extremamente essencial no tratamento da doença? Como é a atuação do fisioterapeuta?
Sim, a fisioterapia é essencial. No entanto, uma avaliação precisa e a escolha da intervenção adequada a cada paciente são fundamentais.
O fisoterapeuta pode utilizar diversos tipos de recursos, tais como cinesioterapia, hidroterapia, exercício aeróbico, técnicas manuais e técnicas de relaxamento. Mas reforço a importância de identificar os recursos adequados em cada caso. Por exemplo, se o paciente possui uma osteoartrose ou uma síndrome miofascial associada é preciso tratá-las concomitantemente, assim como qualquer outra condição.
6) Como é o quadro desta doença no Espírito Santo? Temos muitos pacientes de Fibromialgia?
Não há estudos que mostrem a prevalência da fibromialgia no Espírito Santo, mas na prática clínica vemos que realmente há muitos indivíduos com a síndrome e que não é muito diferente da estatística brasileira e internacional. A literatura aponta prevalência da FM na população em geral valores entre 0,2 e 6,6%, em mulheres valores entre 2,4 e 6,8%, nas áreas urbanas entre 0,7 a 11,4% e nas rurais entre 0,1 e 5,2%.
7) É possível preveni-la? Se sim, como a Fisioterapia pode ajudar na prevenção?
Infelizmente não é possível dizer que a Fibromialgia pode ser prevenida, pois não sabemos qual são as causas exatas.
8) Quais as recomendações que podem ser feitas para quem tem Fibromialgia (rotina, mudança de hábito, alimentação, atividade física…)?
Para quem tem fibromialgia é importante manter um programa regular de sono e evitar ao máximo possível situações estressantes, pois o sono insatisfatório e o estresse emocional podem agravar os sintomas. Além disso, realizar exercício físico regular também é fundamental. De acordo com os estudos o tipo de exercício mais recomendando é o aeróbico, pois aumentam os níveis de serotonina e endorfina, além de regular o sistema nervoso autônomo, que também pode estar alterado na fibromialgia. A melhora dos sintomas começa a aparecer somente após cerca de 3 meses do início do exercício, então é importante ser persistente e assíduo. Os outros tipos de exercícios que envolvem o alongamento e o fortalecimento muscular, também são importantes para melhorar a capacidade física e tornar o indivíduo apto a realizar um exercício aeróbico. Técnicas que promovam o relaxamento físico e mental também podem ser complementares para o indivíduo que está experimentando um quadro de dor crônica.
9) A senhora gostaria de acrescentar mais alguma informação a respeito da doença e do tratamento fisioterapêutico?
Considero que conhecer bem o indivíduo com fibromialgia é fundamental para o tratamento e controle da síndrome, pois cada indivíduo possui um lado da síndrome que o afeta mais. Por exemplo, há fibromiálgicos que possuem um distúrbio do sono importante, outros uma depressão ou outra condição psiquiátrica, outros uma dificuldade de lidar com as emoções e os eventos estressantes, outros que são extremamente sedentários e outros com tudo associado. É fundamental que o portador de fibromialgia busque o auto-conhecimento e a forma mais adequada de lidar com seus fatores gatilhos. Na maioria dos casos, o tratamento multiprofissional é essencial.
Referências:
Marques AP, Santo AS, Berssaneti AA, Matsutani LA, Yuan SL.A prevalência de fibromialgia: atualizac¸ão da revisão de literatura. Rev Bras Reumatol. 2 0 1 7;5 7(4):356–363.
Chinn S, Caldwell W, Gritsenko K. Fibromyalgia Pathogenesis and Treatment Options Update. Curr Pain Headache Rep. 2016 Apr;20(4):25. doi: 10.1007/s11916-016-0556-x.
Heymann RE et al. Consenso brasileiro do tratamento da fibromialgia. Rev Bras Reumatol 2010;50(1):56-66
Minicurrículo
Dra. Samira Tatiyama Miyamoto possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Estadual de Londrina (2000), Especialização em Reumatologia para Fisioterapeutas pela Universidade Federal de São Paulo (2001), Mestrado em Reabilitação-Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (2003) e Doutorado em Ciências da Saúde aplicadas à Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo com período sanduíche na Newcastle University (UK) (2016). Atualmente é professora adjunto do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (2009 – atual) e Sub-chefe do Departamento de Educação Integrada em Saúde.